sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A barriga


Há ‘modas’ que são verdadeiros desserviços às pessoas. Parece que a história da selfie assassina não bastou (sim, não é suficiente cair do alto de um prédio de celular na mão). A “causa” abraçada parece justificar a morte prematura; então, para ampliar o quadro das banalizações humanas, alguns adjetivos são ressignificados a desserviço dos insatisfeitos de plantão. Energia negativa? Que nada, a moda agora é a barriga “negativa” ou, talvez, a barriga “sequinha” (também pode ser barriga “seca” – não, ela não acabou de sair da máquina de lavar). Também existe a barriga “fruta” (aquela que é cheia de “gominhos” – esta, geralmente, é relacionada aos homens), a barriga “tanquinho” (termo “técnico” de barriga “fruta” – aqui, no caso, temos dois substantivos ressignificados, fruta e tanquinho), a barriga “trincada” e a barriga “chapada”.

Bem, barrigas “negativas” à parte, como ficam os que têm suas rotundas barrigas “positivas”? Correm para entrar na faca. O problema é que, em meio a uma ou outra lipoaspiração, os novos aspirantes a barrigas negativas vão fazer companhia aos adeptos das selfies assassinas. E, se ainda não foram, juntam dinheiro para ir. Nesse passo, aproveitam para dar uma “esticadinha” aqui e outra ali (no nariz, nas maçãs do rosto e por aí vai). Ou seja, tudo fazem para conquistar o “sonho” da barriga “negativa” e do corpo “perfeito”.

Não preciso dizer que o foco perverso da mídia nas novas barrigas gera preconceitos, melhor dizendo, recrudesce algo que já existe; no entanto, há que se pensar, não haverá aí uma certa hipocrisia da parte das pessoas? Senão vejamos: será que Jô Soares, Fabiana Carla, Alcione, Sérgio Loroza, Queen Latifah, Jack Black, Jorge Garcia (Lost), Claudia Jimenez, Adele, Danny DeVito e tantos outros estão muito preocupados com seus respectivos abdomens? Porventura serão maltratados se entrarem em alguma loja de grife para comprar algum produto?

 

Parece-me que o problema, muito mais do que físico, é social; os que não são famosos são preteridos até mesmo de empregos, sua competência importa menos do que sua forma física. Não vou nem falar do universo da moda, pois suas exigências cobram um preço caro demais aos incautos, que terminam por sucumbir em uma mesa de cirurgia. Pergunto-me: valerá a pena? O tempo é inexorável. Ele passa e cobra seu preço. Não creio que o sentimento que une as pessoas esteja ancorado em barrigas “negativas” etc.

 

Por que pessoas consideradas à margem dos padrões de beleza aceitos em nossa sociedade podem ser absolutamente encantadoras, ao passo que muitas barrigas “tanquinho” já na primeira palavra perdem todo o “encanto”? Creio que o encantamento está, sobretudo, nos olhos (não é sem razão que eles são “o espelho da alma”); confirmam-no os que afirmam perceber de imediato se uma pessoa é falsa ou não o é, só de olhar para ela. Será fácil assim? Talvez seja mesmo, pois a força do olhar traz à tona o jeito de ser de cada um.

 

É complicado julgar as pessoas; procuro evitar fazê-lo, pois, em geral, cada um que julgamos não passa de um alter ego, literalmente; por outras palavras, é muito comum criticarmos no outro aquilo que existe em nós mesmos (embora não o percebamos). O fato é que: será que essa obsessão pela forma física não torna a existência um pouco vazia demais? A não ser por mera ilusão, a estampa não pode tornar seguro aquele que não o é, tampouco poderá preencher lacunas que só podem ser preenchidas pelo cultivo de outros valores. Não me refiro, naturalmente, ao emagrecimento por motivo de saúde nem à cirurgia reparadora, mas à perseguição por algo cujo desfecho, ironias do destino, pode levar a um caminho sem volta.

 

É sempre bom lembrar que uma pessoa não é uma barriga, isto é, não se reduz a uma. O problema é que as mulheres e os homens que se submetem a procedimentos invasivos, entre outros (hidrogel, “bombas” etc.), podem não se dar conta disso. E, convenhamos, quem se vê tão somente como uma “barriga negativa” ou como “um corpo perfeito” não pode estar bem consigo mesmo.

 

Que essas pessoas possam se ver antes que um entardecer indesejado as surpreenda.

 

 


 

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