Há ‘modas’ que são verdadeiros desserviços às
pessoas. Parece que a história da selfie assassina não bastou (sim, não é
suficiente cair do alto de um prédio de celular na mão). A “causa” abraçada
parece justificar a morte prematura; então, para ampliar o quadro das
banalizações humanas, alguns adjetivos são ressignificados a desserviço dos
insatisfeitos de plantão. Energia negativa? Que nada, a moda agora é a barriga
“negativa” ou, talvez, a barriga “sequinha” (também pode ser barriga “seca” –
não, ela não acabou de sair da máquina de lavar). Também existe a barriga
“fruta” (aquela que é cheia de “gominhos” – esta, geralmente, é relacionada aos
homens), a barriga “tanquinho” (termo “técnico” de barriga “fruta” – aqui, no
caso, temos dois substantivos ressignificados, fruta e tanquinho), a
barriga “trincada” e a barriga “chapada”.
Bem, barrigas “negativas” à parte, como ficam
os que têm suas rotundas barrigas “positivas”? Correm para entrar na faca. O
problema é que, em meio a uma ou outra lipoaspiração, os novos aspirantes a
barrigas negativas vão fazer companhia aos adeptos das selfies assassinas. E,
se ainda não foram, juntam dinheiro para ir. Nesse passo, aproveitam para dar
uma “esticadinha” aqui e outra ali (no nariz, nas maçãs do rosto e por aí vai).
Ou seja, tudo fazem para conquistar o “sonho” da barriga “negativa” e do corpo
“perfeito”.
Não
preciso dizer que o foco perverso da mídia nas novas barrigas gera
preconceitos, melhor dizendo, recrudesce algo que já existe; no entanto, há que
se pensar, não haverá aí uma certa hipocrisia da parte das pessoas? Senão
vejamos: será que Jô Soares, Fabiana Carla, Alcione, Sérgio Loroza, Queen
Latifah, Jack Black, Jorge Garcia (Lost), Claudia Jimenez, Adele, Danny DeVito e tantos outros estão muito preocupados
com seus respectivos abdomens? Porventura serão maltratados se entrarem em
alguma loja de grife para comprar algum produto?
Parece-me que o
problema, muito mais do que físico, é social; os que não são famosos são
preteridos até mesmo de empregos, sua competência importa menos do que sua
forma física. Não vou nem falar do universo da moda, pois suas exigências
cobram um preço caro demais aos incautos, que terminam por sucumbir em uma mesa
de cirurgia. Pergunto-me: valerá a pena? O tempo é inexorável. Ele passa e
cobra seu preço. Não creio que o sentimento que une as pessoas esteja ancorado
em barrigas “negativas” etc.
Por que pessoas
consideradas à margem dos padrões de beleza aceitos em nossa sociedade podem
ser absolutamente encantadoras, ao passo que muitas barrigas “tanquinho” já na
primeira palavra perdem todo o “encanto”? Creio que o encantamento está,
sobretudo, nos olhos (não é sem razão que eles são “o espelho da alma”);
confirmam-no os que afirmam perceber de imediato se uma pessoa é falsa ou não o
é, só de olhar para ela. Será fácil assim? Talvez seja mesmo, pois a força do
olhar traz à tona o jeito de ser de cada um.
É
complicado julgar as pessoas; procuro evitar fazê-lo, pois, em geral, cada um
que julgamos não passa de um alter ego, literalmente; por outras palavras, é
muito comum criticarmos no outro aquilo que existe em nós mesmos (embora não o percebamos).
O fato é que: será que essa obsessão pela forma física não torna a existência
um pouco vazia demais? A não ser por mera ilusão, a estampa não pode tornar
seguro aquele que não o é, tampouco poderá preencher lacunas que só podem ser
preenchidas pelo cultivo de outros valores. Não me refiro, naturalmente, ao
emagrecimento por motivo de saúde nem à cirurgia reparadora, mas à perseguição
por algo cujo desfecho, ironias do destino, pode levar a um caminho sem volta.
É
sempre bom lembrar que uma pessoa não é uma barriga, isto é, não se reduz a
uma. O problema é que as mulheres e os homens que se submetem a procedimentos
invasivos, entre outros (hidrogel, “bombas” etc.), podem não se dar conta
disso. E, convenhamos, quem se vê tão somente como uma “barriga negativa” ou
como “um corpo perfeito” não pode estar bem consigo mesmo.
Que essas pessoas possam se ver
antes que um entardecer indesejado as surpreenda.
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