segunda-feira, 29 de julho de 2019

Duplo travessão seguido de vírgula


Com frequência, precisamos usar conjunções em nossos textos, que são elas as responsáveis pelo encadeamento das partes do texto; muitas conjunções exigem que ponhamos uma vírgula antes delas para atender à sintaxe da sentença.

Por outro lado, também podemos considerar o travessão em lugar da vírgula; o travessão, dentre outros usos, tem o objetivo de dar um destaque maior a certas palavras ou expressões que julgamos importantes e merecedoras de ênfase em nossos escritos.  Ou seja: usamos o travessão também para obter um efeito maior sobre o leitor, pois, ao usá-lo, estamos chamando a atenção para algo considerado por nós muito importante. Vamos considerar o exemplo abaixo:

Os livrosnossos companheiros de todas as horas – ensinam-nos a viver.

Notem que o travessão duplo foi usado porque a frase destacada está entre o sujeito "os livros" e o verbo "ensinam" (não podemos separar sujeito de verbo, mas podemos intercalar palavras, expressões ou frases entre eles).

Ainda nessa frase, podemos usar os parênteses; contudo, ao usá-los, estaremos dando um destaque menor à expressão, pois, hierarquicamente, o travessão dá ao trecho que queremos ressaltar o destaque maior.

De um modo geral, podemos substituir os travessões por parênteses; todavia, temos de ter em mente que, apesar das regras, os sinais de pontuação contam ainda com a subjetividade (ou estilo) do produtor do texto, além de uma boa dose de bom senso e intuição linguística (como é o caso do ponto e vírgula, por exemplo).

Os parênteses têm como função principal explicar algo que supostamente não ficou bem entendido; nesse tipo de situação, não é conveniente usar o travessão, cujas funções são, basicamente, marcar a alternância de interlocutor em um diálogo e pôr em destaque uma expressão.

Por outro lado, se a frase que estamos analisando estiver no final do período, teremos de usar o travessão simples:

Amo os livrosnossos companheiros de todas as horas.

Nesse caso, não deveríamos usar os parênteses, uma vez que, se abrirmos um parêntese, obrigatoriamente teremos de fechá-lo, o que não ocorre com o travessão; ademais, o uso dos parênteses já não teria a mesma função do travessão simples. Também poderemos redigir assim:

Amo os livros – é fato, mas não tanto quanto você.

Reparem que, na frase acima, o produtor do texto optou por usar um único travessão; todavia, se tivesse usado o travessão duplo, a vírgula teria sido mantida da mesma forma, uma vez que o seu uso independe do uso do travessão; a presença da vírgula se justifica por sua exigência antes da conjunção adversativa (“mas”) para atender à sintaxe da frase e marcar a oposição ao que foi dito anteriormente:

Amo os livros – é fato –, mas não tanto quanto você.

Agora vamos ver outro exemplo:

Assim que saímos daquele lugar esquisito – eu sentia medo, era um lugar fantasmagórico, assustador mesmo –, encontramos um homem de estranha aparência sentado sob uma velha marquise.

A construção está perfeitamente correta; vejamos o porquê: mais uma vez, temos aqui dois usos independentes, quais sejam o duplo travessão e a vírgula. Comecemos pelo duplo travessão; temos aqui um fragmento de um texto narrativo cujo narrador “interrompe” a narrativa para explicar o sentimento que uma determinada situação, no caso, sair de um determinado lugar, desperta nele; observem que temos uma sobreposição de fragmentos, uma vez que o primeiro continua a contar a história, ao passo que o segundo descreve o sentimento do narrador em relação à história que ele próprio conta. Reparem que descrever o sentimento do narrador é algo que não faz parte do fio condutor da história, isto é, não faz parte da sequência da narrativa e é justamente por interromper esse fio condutor que essa sequência descritiva, que está sobreposta à narrativa, deve vir destacada desta; por isso, o uso do duplo travessão.

No caso da vírgula, o motivo de ela estar ali não tem nenhuma relação com o travessão, uma vez que ela teria de estar ali mesmo que não houvesse os travessões; o que ocorre é o seguinte: a língua portuguesa é uma língua de posição, o que significa que a posição das palavras na sentença interfere não no sentido das palavras mas também em sua função na frase; como se trata de uma língua de posição, a sentença deverá ser, preferencialmente, estruturada na seguinte ordem:

[sujeito – verbo – objeto direto – objeto indireto – adjunto adverbial]

Esta é a ordem natural das palavras em uma frase enunciada em língua portuguesa; no exemplo dado, a oração “Assim que saímos daquele lugar esquisito...” exprime ideia de tempo; convém ressaltar, nesse ponto, que as palavras, expressões ou orações que exprimem ideia de tempo são representadas na língua pelos adjuntos adverbiais (no caso dessa oração, temos uma oração adverbial temporal); ocorre que a posição do adjunto adverbial é no final da frase, segundo a ordem natural do português; por estar no início, deve vir marcado por vírgula para deixar registrado que ele está em posição invertida, isto é, ele está fora de sua posição, e uma das funções da vírgula é justamente a de marcar o deslocamento de palavras, expressões ou orações inteiras em uma frase quando essas palavras, expressões ou orações estão fora de sua posição natural.

Não haveria vírgula alguma se a frase estivesse na ordem direta:

Encontramos um homem de estranha aparência sentado sob uma velha marquise assim que saímos daquele lugar esquisito – eu sentia medo, era um lugar fantasmagórico, assustador mesmo.








9 comentários:

  1. Material muito bom para o estudo da gramática, a pontuação. Sempre existia dúvidas na identificação do uso do travessão ao uso do parênteses; esse texto esclareceu as minhas dúvidas. Ótimo!

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    1. Obrigada por seu comentário. Se tiver alguma outra dúvida, pode postar aqui.

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  2. Muito bom esse texto sobre o uso correto da pontuação nos textos, pois sempre ocorria dúvidas sobre o uso do travessão e do parênteses. De grande relevância!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Excelente texto, professora! Estou escrevendo uma história (um livro, talvez), e estou sempre fazendo uso do [duplo] travessão. Ter lido sobre isso — e ainda por cima por meio de uma fonte tão confiável — será bastante útil. Fico muito agradecido pela publicação. Abraços!

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  5. Oi, querido! Que surpresa boa! Então, em breve teremos um novo autor na praça? Parabéns! Continue frequentando o blog, estou postando textos aqui toda semana. Obrigada por seu comentário tão gentil.

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