terça-feira, 6 de agosto de 2019

O ponto e vírgula e as adversativas – Parte I


O ponto e vírgula é o pior sinal de pontuação que existe na língua portuguesa; digo "pior" porque, embora o seu uso seja considerado bastante elegante, ele é o mais difícil de todos; ademais, há poucas regras para o seu uso; como se não bastasse isso, até mesmo as boas gramáticas não têm uma uniformidade em relação às regras, isto é, as regras contidas em uma podem não estar nas outrasNãomuito que acrescentar ao que está nas gramáticas, a não ser o uso em sequências de números decimais: 1,5; 1,2; 2,5; 3,8 etc.

Seria ótimo se fosse isso, mas, com o ponto e vírgula, a “banda toca bem diferente”.

Convém observar também que o ponto e vírgula pode ser usado entre trechos que mantenham entre si relações de sentido; além disso, o seu uso indica que a ideia central do parágrafo (ou períodoainda está sendo desenvolvida.

As gramáticas não nos ajudam muito quando dizem que o ponto e vírgula “é uma pausa menor do que o ponto final e maior do que a vírgula”. Para se ter uma ideia (e logo se perceberá porque estou fazendo um preâmbulo tão grande), minha ex-orientadora de Doutorado sempre tinha uma tirada espirituosa quando conversávamos sobre o ponto e vírgula; dizia ela queapós muito pensar, havia chegado à conclusão de que saber usar o ponto e vírgula era um dom”...

Com essa brincadeira, ela queria dizer que o uso desse sinal de pontuação depende, na maior parte dos casos, da intuição linguística que todo falante nativo tem e do bom senso, o que é a mais pura verdade, uma vez que a língua não é uma ciência exata.

O que pode dar mais segurança no uso do ponto e vírgula é a leitura dos bons autores (os clássicos) e o treinamento, desde que este seja acompanhado por um professor, poisempregos do ponto e vírgula que não estão relacionados nem nas boas gramáticas

Dentre os gramáticos conhecidos, os de minha preferência são quatro: Bechara, Rocha Lima, Celso Cunha e Celso Luft; o que muito pouca gente sabe é que esses quatro, bastante conhecidos, por sinal, tiveram seus grandes mestres, cujas obras são encontradas apenas em sebos; por isso, muita coisa que afirmo em sala não está nos livros conhecidos. Os gramáticos antigos tinham uma intuição verdadeiramente genial a respeito da língua; muitas de suas mais importantes observações são encontradas em letrinhas minúsculas em notas de rodapé. Esses gramáticos formaram uma espécie de “jurisprudência” a respeito dos fatos da língua; esses grandes filólogos – “juristas” – consideravam mais elegante o uso do ponto e vírgula antes de conjunções (ou expressões que tenham valor de conjunção) de três sílabas ou mais (por exemplo, "todavia", "entretanto", "contudo" etc.), desde que seguidas por vírgula, o que não deixa de ter uma certa lógica, uma vez que se trata do ponto mais difícil da língua; natural, portanto, estimular o uso elegante, que, a propósito, era usado pelos clássicos.

Mas não é isso. As conjunçõesentretanto”, “contudo”, “todavia” e “no entantosão adversativas mais formais do quemas” e “porém”, ambas maisbatidas”, pois largamente utilizadas no dia a dia; por serem mais formais, demandam um uso em frases mais bem elaboradas, mais longas e de estruturação mais complexa; assim, em uma frase como “quero sair, mas não posso”, não diremos “quero sair, entretanto não posso”; como se trata de uma frase curta e bastante usada no dia a dia, o uso de conjunções mais formais não é recomendado, uma vez que tais conjunções têm por função não marcar ideias em oposição mas também – e sobretudocompor frases mais complexas do registro formal.

Por outro lado – e considero esse ponto fundamental –, mesmo as boas gramáticas, não deixam clara a importância do ponto e vírgula (e muito menos de seu uso preferencial antes das conjunções de mais de três sílabas); essa importância, vamos encontrar nos grandes mestres do passado, os que sobrevivem apenas nos sebos.

Continuamos esse tópico gramatical na próxima semana. Antes que me esqueça, é sempre bom lembrar, depois de ponto e vírgula usa-se letra minúscula.

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