Quando
falamos ou escrevemos algo, devemos nos
preocupar, em
primeiro lugar...
...com a clareza;
...em segundo lugar, com a
clareza;
...em terceiro lugar, com a clareza.
Por que
a clareza
é tão fundamental?
Porque, se não
formos suficientemente claros, nossa comunicação não
será eficaz por
um motivo
muito simples: não será entendida por
nosso interlocutor.
E
quem é o maior
vilão da clareza? É o GERÚNDIO
(forma verbal
terminada em –ndo).
Suponham
o seguinte diálogo:
O
gerente estava ao telefone
e andava de um lado
para o outro...
–
Mas... a senhora
pode resolver o meu
problema?
–
Bem, senhor, vou estar telefonando
para o inspetor de plantão...
–
Sim, mas
quando será isso?
–
Bem, senhor, não se preocupe, pois vou estar providenciando...
–
Sim, já
entendi, mas será para
hoje?
–
Bem, senhor, vou estar explicando
a situação a ele
e também vou estar passando
um fax...
–
Mas...
Um
"diálogo" assim não é nada
produtivo.
Um dos maiores
problemas de se usar
o gerúndio é que
ele não
indica tempo,
isto é, a idéia
de tempo não está
contida nessa forma verbal.
Sabemos apenas que o gerúndio indica algo a meio caminho, isto é, algo que está
se processando. Note-se que o traço durativo é inerente ao gerúndio.
Para ficar mais
fácil, imagine a seguinte
situação:
Você está atrasado para uma reunião importante.
Alguém telefona para
o seu celular
para saber a que horas você chegará, ao que você responde:
"Estou
chegando..."
Ao
dizer "estou chegando", como o seu interlocutor saberá se você
está a 5 minutos do escritório
ou se acabou de sair
de casa e ainda
vai levar uns bons
quarenta minutos para
chegar?
Não dá para saber mesmo, afinal, o gerúndio
não nos
dá essa informação.
Como seria o diálogo
entre o gerente
que estava ao telefone
e o seu interlocutor
se o vício "vou
+ estar + –ndo" não
houvesse sido usado?
Vejamos:
–
Mas... a senhora
pode resolver o meu
problema?
–
Bem, senhor, vou
telefonar imediatamente para
o inspetor de plantão e providenciar seus documentos
ainda hoje.
–
Ótimo, obrigado.
–
Vou explicar a situação a
ele e, em
seguida, passarei um
fax para solicitar seus documentos.
–
Muito obrigado.
Como vocês
podem observar, o diálogo
ficou simples, fácil
e claro, sem
"enrolações".
Vejam
bem, quando
as pessoas nos
perguntam algo, elas
esperam uma resposta clara, objetiva
e, sobretudo, que responda
ao que estão perguntando.
A
expressão estarei providenciando, por exemplo, não é adequada porque
relega a providência a um
futuro incerto.
Devemos
usar a expressão
vou
providenciar (reparem que o auxiliar está no presente,
embora dê ideia de futuro), seguida
de uma expressão indicadora de tempo para que o nosso interlocutor sinta que,
realmente, faremos algo
para atendê-lo.
Assim, devemos usar
preferencialmente:
...vou
providenciar hoje ainda;
...vou
providenciar até às 16:00;
...vou
providenciar amanhã pela manhã;
...vou
providenciar, no máximo, em dois dias.
O
uso apropriado
de nossa língua
também é uma forma
de mostrar respeito
e consideração pela
pessoa do outro.
E na escrita? Embora não
seja o único, o mau
uso do gerúndio
é um dos maiores
responsáveis pela
falta de clareza dos
textos em
geral.
Pouca
gente sabe (até
porque, este
assunto é pouco
estudado), mas o gerúndio
tem uma propriedade muito
particular quando
é usado junto de verbos
que não
sejam auxiliares.
Auxiliar
é o verbo que contém os morfemas frasais (tempo, modo, número, pessoa):
Vejamos
alguns exemplos:
...estou
dormindo.
(Auxiliar: presente do indicativo)
...estarei
sonhando?
(Auxiliar: futuro do presente)
...estava
almoçando,
quando a campainha tocou. (Auxiliar: pretérito imperfeito)
...fique
estudando,
enquanto ponho o jantar. (Auxiliar: presente do subjuntivo)
Reparem
que o núcleo
de sentido das expressões
acima não
está nos verbos auxiliares, mas sim nas formas
verbais dormir, sonhar, almoçar e estudar,
que estão sendo usadas no gerúndio.
Entretanto, o gerúndio
é invariável, de modo que as idéias de tempo, modo, número e pessoa estão centradas justamente
no verbo auxiliar.
O gerúndio deve ser usado, preferencialmente,
ao lado dos verbos
auxiliares (os principais
auxiliares em
Língua Portuguesa são
os verbos ser
e estar, mas
há outros, como
ficar, parecer,
continuar etc.).
Quando usado ao lado de verbos que não sejam auxiliares, o gerúndio
designa simultaneidade de ações.
Quando usamos um verbo qualquer (que não seja auxiliar)
seguido de gerúndio, estamos dizendo ao nosso interlocutor
que as ações
expressas por ambos
(verbo + gerúndio)
são simultâneas, isto é, ocorrem ao mesmo
tempo.
O problema
é que nem
sempre queremos dizer
que duas ações
estão ocorrendo ao mesmo tempo!
Vejamos um exemplo:
O menino chegou cantando.
Na frase acima, não há qualquer problema,
pois uma pessoa pode chegar a algum lugar cantando, chorando, gritando... nada impede que
tais ações
ocorram ao mesmo tempo.
Mas:
Trouxe o almoço,
entregando-o na recepção.
Temos aí uma frase que causa, no mínimo, um certo estranhamento, afinal
ninguém pode, ao mesmo tempo, trazer e entregar alguma coisa; tais ações se
processam em
sequência, isto é, uma depois da outra;
assim, a pessoa
traz o almoço e
entrega-o na recepção.
Para
usarmos o gerúndio ao lado de outros verbos que não sejam os auxiliares,
devemos estar seguros
de que desejamos expressar
ações simultâneas e que esse traço seja
compatível com os dois verbos do par quando usados lado a lado, caso contrário,
devemos empregar outras formas
verbais seguidas
de preposições ou
outras expressões que
tornem as nossas intenções claras para o nosso interlocutor.
Outro
exemplo de frase que causa estranhamento à primeira vista:
Perdoando,
desligamo-nos de quem nos ofendeu, ódio é vínculo que prende um ao outro, trazendo
muitos infortúnios.
CARLOS, Antônio; CARVALHO,
V. L. M. de. Reconciliação. São
Paulo: Petit Editora, 1995, p. 31.
Não
há simultaneidade entre prender e trazer; o ato de trazer é posterior; vejamos
como ficaria a frase respeitada a sequência de ações no tempo:
Perdoando,
desligamo-nos de quem nos ofendeu, ódio é vínculo que prende um ao outro e traz
muitos infortúnios.
Uma
última palavrinha.
Notem
que costumo usar
palavras como
preferencialmente porque a língua
não é uma ciência
exata. Há contextos
e contextos.