sexta-feira, 20 de setembro de 2019

A Serpente e o Vaga-lume


Conta a lenda que uma vez uma serpente começou a perseguir um vaga-lume. Este fugia rápido, com medo da feroz predadora e a serpente nem pensava em desistir.

Fugiu um dia e ela não desistia. Dois dias, e nada...
No terceiro dia, já sem forças, o vaga-lume parou e disse à cobra:
– Posso lhe fazer três perguntas?
– Não costumo abrir esse precedente para ninguém, mas já que vou te devorar mesmo, podes perguntar...
– Pertenço a tua cadeia alimentar?
– Não.
– Eu te fiz algum mal?
– Não.
– Então, por que queres acabar comigo?
– Porque não suporto ver-te brilhar...

Autor Desconhecido

* * *


quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Ainda a ambiguidade


Bem, vamos estudar mais alguns casos de ambiguidade:

2. Ambiguidade com a posição do adjunto adverbial (Moreno e Guedes, 1991, com adaptações)

No refeitório da empresa, algumas funcionárias conversavam sobre seus filhos, até que uma delas mostrou às colegas um panfleto sobre a inauguração de uma nova loja de produtos alimentares para crianças. Vejamos a frase inicial do panfleto:

"Vocês sabiam que crianças que comem doces frequentemente ficam doentes?"

Uma das moças, ao ler o panfleto, imediatamente comentou:

Não estou entendendo, a frase quer dizer “Crianças que frequentemente comem doces ficam doentes” OU Crianças que comem doces ficam doentes frequentemente”?

Ninguém respondeu.

Onde estava o problema?

Em primeiro lugar, a Língua Portuguesa é uma língua de posição, isto é, a posição das palavras na frase é muito importante. No caso do advérbio frequentemente, o duplo sentido originou-se de sua má posição na frase. Uma coisa é as crianças ficarem doentes por causa do excesso de doces que comem (interpretação da primeira frase); outra coisa é ficarem doentes com frequência, não por excesso de doces, mas por alguns poucos que venham a comer (interpretação da segunda frase).

Ao tentar entender o sentido da frase (“Crianças que frequentemente comem doces ficam doentes” OU Crianças que comem doces ficam doentes frequentemente”?), a moça enunciou as correções que deveriam ter sido feitas no panfleto, de acordo com a intenção comunicativa do produtor do texto, isto é, da pessoa que redigiu o panfleto.

3. Ambiguidade com orações reduzidas (Moreno e Guedes, 1991)

Vejamos o exemplo abaixo (extraído dos autores supramencionados acima):

Pendurado no galho mais alto da goiabeira, o menino avistou um ninho de marimbondos.

A ambiguidade aqui se apresenta do seguinte modo:

Afinal, era o menino que estava pendurado ou o ninho de marimbondos?

Notem que a ambiguidade é causada pela anteposição da oração em negrito. Para evitá-la, devemos colocá-la ou junto de menino ou junto de ninho de marimbondos. Assim:

O menino, que estava pendurado no galho mais alto da goiabeira, avistou um ninho de marimbondos.

Na frase acima, fica claro que o menino estava penduradonão o ninho de marimbondos.

O menino avistou um ninho de marimbondos que estava pendurado no galho mais alto da goiabeira.

aqui, temos que o ninho estava pendurado, não o menino.

4. Ambiguidade nas orações adjetivas (Moreno e Guedes, 1991)

Vejamos os exemplos (extraídos dos mesmos autores):

Roubaram a cadeira do gabinete em que eu costumava trabalhar.

O problema aqui é o seguinte: a pessoa que escreveu a frase acima trabalhava naquela cadeira ou apenas no gabinete?

Para evitar a dupla interpretação, a pessoa poderia ter escrito:

Roubaram a cadeira do gabinete no qual eu costumava trabalhar.

Notem que, na frase acima, a pessoa deixa claro que trabalhava no gabinete.

A frase também poderia estar redigida nestes termos:

Roubaram a cadeira do gabinete na qual eu costumava trabalhar.

Na frase acima, fica claro que a pessoa trabalhava naquela cadeira.

Nessas frases, estamos lidando com referentes de gêneros distintos, pois cadeira = gênero feminino (a cadeira), daí termos usado na qual; gabinete = gênero masculino (o gabinete), daí termos usado no qual.

Mas e se ambos fossem do gênero feminino?

Vejam o exemplo (Moreno e Guedes, 1991):

Roubaram a cadeira da sala em que eu costumava trabalhar.

Aqui, para evitar a ambiguidade, precisaremos alterar um pouco a estrutura da frase

Assim:

Roubaram a cadeira de trabalho de minha sala.

OU

Roubaram a cadeira de minha sala de trabalho.

Aqui, substituímos o verbo trabalhar pela preposição de + o substantivo trabalho.

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Ambiguidade


Quando escrevemos algo, devemos nos preocupar com quem vai ler o que foi escrito por nós. Muitas vezes, quando escrevemos, achamos que tudo está fácil e simples, afinal, nós próprios sabemos o que estamos dizendo ou escrevendo. O problema é que não escrevemos para nós mesmos, mas para o outro. E é com esse outro — o leitorque devemos nos preocupar.

Para saber o que um leitor sofre, basta nos colocarmos no lugar dele: o que sentimos quando lemos algo que não entendemos direito? Não é uma sensação nada agradável. Para evitar esse tipo de problema, temos queatacar os grandes vilões da escrita. Paraatacá-los”, basta saber usá-los e, quando for o caso, não usá-los.

A ambiguidade, por exemplo, pode tornar-se um problema para quem lê. Ambiguidade significa duplo sentido (ambo, do latim, significa “dois”).

Pouca coisa pode ser pior do que o duplo sentido, pois, se oferecemos ao leitor algo que tenha duplo sentido, ele poderá interpretar de um modo ou de outro. Ocorre que, quase sempre, a interpretação dada por ele não é aquela pretendida por nós.

Como evitar a ambiguidade? Basta que conheçamos os principais casos em que ela pode ocorrer.

Vamos ao primeiro?

O exemplo abaixo foi extraído, com adaptações, de MORENO, C.; GUEDES, P. C. Curso básico de redação. São Paulo: Ática, 1991.

1. ambiguidade no antecedente dos pronomes

Vejamos a seguinte frase:

Jorge disse a seu irmão que ele perdera o emprego.

O problema aqui é claro: quem perdeu o emprego? Jorge ou o irmão?

O pronome ele deve ser usado com muita cautela, pois, teoricamente, pode se referir a qualquer coisa que não seja eu ou tu/você. Assim, pode se referir ao inspetor, ao médico, ao relatório, ao vaso, ao livro, ao pássaro...

Como corrigir a frase acima? Vejamos algumas correções possíveis:

Jorge disse a seu irmão: — perdi o emprego.

Jorge disse a seu irmão: — você perdeu o emprego.

Jorge, ao saber que perdera o emprego, contou tudo ao irmão.

Jorge disse ao irmão que ele (Jorge) havia perdido o emprego.

Vejamos outro exemplo:

O inspetor saiu apressado de sua sala. Antes, porém, escreveu um bilhete e deixou-o sobre a mesa da secretária recém-contratada:

"Fulana, o gerente geral e o diretor estão em reunião. Não os interrompa, mas, quando a reunião terminar, por favor, diga a ele que a sua mulher ligou e precisa falar com ele com uma certa urgência. Muito obrigado."

A secretária, ao ler o bilhete, ficou, como é óbvio, se perguntando a qual dos dois deveria dar o recado, mas resolveu arriscar e, quando a reunião acabou, dirigiu-se ao senhor Fulano: "Senhor Fulano, sua esposa ligou e precisa lhe falar com uma certa urgência."

O senhor Fulano olhou para ela sem compreender e disse-lhe: “Mas como pode ser? Estou viúvotrês anos...”

Como esse constrangimento poderia ter sido evitado?

Bastaria que o bilhete tivesse sido redigido nos seguintes termos:

"Fulana, o senhor Fulano e o senhor Beltrano estão em reunião. Não os interrompa, mas, quando a reunião terminar, por favor, diga ao senhor Beltrano que a mulher dele ligou e precisa falar-lhe com uma certa urgência. Muito obrigado."

"Fulana, o senhor Fulano e o senhor Beltrano estão em reunião. Não os interrompa, mas, quando a reunião terminar, por favor, diga ao segundo que a mulher dele ligou e precisa falar-lhe com uma certa urgência. Muito obrigado."

"Fulana, o senhor Fulano e o senhor Beltrano estão em reunião. Não os interrompa, mas, quando a reunião terminar, por favor, diga a este que a mulher dele ligou e precisa falar-lhe com uma certa urgência. Muito obrigado."

Se o recado fosse para o senhor Fulano:

"Fulana, o senhor Fulano e o senhor Beltrano estão em reunião. Não os interrompa, mas, quando a reunião terminar, por favor, diga ao senhor Fulano que a mulher dele ligou e precisa falar-lhe com uma certa urgência. Muito obrigado."

"Fulana, o senhor Fulano e o senhor Beltrano estão em reunião. Não os interrompa, mas, quando a reunião terminar, por favor, diga ao primeiro que a mulher dele ligou e precisa falar-lhe com uma certa urgência. Muito obrigado."

"Fulana, o senhor Fulano e o senhor Beltrano estão em reunião. Não os interrompa, mas, quando a reunião terminar, por favor, diga àquele que a mulher dele ligou e precisa falar-lhe com uma certa urgência. Muito obrigado."

Continuamos na próxima postagem.

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Um pouco de gerúndio


Quando falamos ou escrevemos algo, devemos nos preocupar, em primeiro lugar...

...com a clareza;

...em segundo lugar, com a clareza;

...em terceiro lugar, com a clareza.

Por que a clareza é tão fundamental?

Porque, se não formos suficientemente claros, nossa comunicação não será eficaz por um motivo muito simples: não será entendida por nosso interlocutor.

E quem é o maior vilão da clareza? É o GERÚNDIO (forma verbal terminada emndo).

Suponham o seguinte diálogo:

O gerente estava ao telefone e andava de um lado para o outro...

Mas... a senhora pode resolver o meu problema?

Bem, senhor, vou estar telefonando para o inspetor de plantão...

Sim, mas quando será isso?

Bem, senhor, não se preocupe, pois vou estar providenciando...

Sim, entendi, mas será para hoje?

Bem, senhor, vou estar explicando a situação a ele e também vou estar passando um fax...

Mas...

Um "diálogo" assim não é nada produtivo.

Um dos maiores problemas de se usar o gerúndio é que ele não indica tempo, isto é, a idéia de tempo não está contida nessa forma verbal. Sabemos apenas que o gerúndio indica algo a meio caminho, isto é, algo que está se processando. Note-se que o traço durativo é inerente ao gerúndio.

Para ficar mais fácil, imagine a seguinte situação:

Você está atrasado para uma reunião importante. Alguém telefona para o seu celular para saber a que horas você chegará, ao que você responde:

"Estou chegando..."

Ao dizer "estou chegando", como o seu interlocutor saberá se você está a 5 minutos do escritório ou se acabou de sair de casa e ainda vai levar uns bons quarenta minutos para chegar?

Nãopara saber mesmo, afinal, o gerúndio não nos dá essa informação.

Como seria o diálogo entre o gerente que estava ao telefone e o seu interlocutor se o vício "vou + estar + –ndo" não houvesse sido usado?

Vejamos:

Mas... a senhora pode resolver o meu problema?

Bem, senhor, vou telefonar imediatamente para o inspetor de plantão e providenciar seus documentos ainda hoje.

Ótimo, obrigado.

Vou explicar a situação a ele e, em seguida, passarei um fax para solicitar seus documentos.

Muito obrigado.

Como vocês podem observar, o diálogo ficou simples, fácil e claro, sem "enrolações".

Vejam bem, quando as pessoas nos perguntam algo, elas esperam uma resposta clara, objetiva e, sobretudo, que responda ao que estão perguntando.

A expressão estarei providenciando, por exemplo, não é adequada porque relega a providência a um futuro incerto.

Devemos usar a expressão vou providenciar (reparem que o auxiliar está no presente, embora dê ideia de futuro), seguida de uma expressão indicadora de tempo para que o nosso interlocutor sinta que, realmente, faremos algo para atendê-lo.

Assim, devemos usar preferencialmente:

...vou providenciar hoje ainda;

...vou providenciar até às 16:00;

...vou providenciar amanhã pela manhã;

...vou providenciar, no máximo, em dois dias.

O uso apropriado de nossa língua também é uma forma de mostrar respeito e consideração pela pessoa do outro.

E na escrita?  Embora não seja o único, o mau uso do gerúndio é um dos maiores responsáveis pela falta de clareza dos textos em geral.

Pouca gente sabe (até porque, este assunto é pouco estudado), mas o gerúndio tem uma propriedade muito particular quando é usado junto de verbos que não sejam auxiliares.

Auxiliar é o verbo que contém os morfemas frasais (tempo, modo, número, pessoa):

Vejamos alguns exemplos:

...estou dormindo. (Auxiliar: presente do indicativo)

...estarei sonhando? (Auxiliar: futuro do presente)

...estava almoçando, quando a campainha tocou. (Auxiliar: pretérito imperfeito)

...fique estudando, enquanto ponho o jantar. (Auxiliar: presente do subjuntivo)

Reparem que o núcleo de sentido das expressões acima não está nos verbos auxiliares, mas sim nas formas verbais dormir, sonhar, almoçar e estudar, que estão sendo usadas no gerúndio.

Entretanto, o gerúndio é invariável, de modo que as idéias de tempo, modo, número e pessoa estão centradas justamente no verbo auxiliar.

O gerúndio deve ser usado, preferencialmente, ao lado dos verbos auxiliares (os principais auxiliares em Língua Portuguesa são os verbos ser e estar, masoutros, como ficar, parecer, continuar etc.).

Quando usado ao lado de verbos que não sejam auxiliares, o gerúndio designa simultaneidade de ações.

Quando usamos um verbo qualquer (que não seja auxiliar) seguido de gerúndio, estamos dizendo ao nosso interlocutor que as ações expressas por ambos (verbo + gerúndio) são simultâneas, isto é, ocorrem ao mesmo tempo.

O problema é que nem sempre queremos dizer que duas ações estão ocorrendo ao mesmo tempo!

Vejamos um exemplo:

O menino chegou cantando.

Na frase acima, nãoqualquer problema, pois uma pessoa pode chegar a algum lugar cantando, chorando, gritando... nada impede que tais ações ocorram ao mesmo tempo.

Mas:

Trouxe o almoço, entregando-o na recepção.

Temos uma frase que causa, no mínimo, um certo estranhamento, afinal ninguém pode, ao mesmo tempo, trazer e entregar alguma coisa; tais ações se processam em sequência, isto é, uma depois da outra; assim, a pessoa traz o almoço e entrega-o na recepção.

Para usarmos o gerúndio ao lado de outros verbos que não sejam os auxiliares, devemos estar seguros de que desejamos expressar ações simultâneas e que esse traço seja compatível com os dois verbos do par quando usados lado a lado, caso contrário, devemos empregar outras formas verbais seguidas de preposições ou outras expressões que tornem as nossas intenções claras para o nosso interlocutor.

Outro exemplo de frase que causa estranhamento à primeira vista:

Perdoando, desligamo-nos de quem nos ofendeu, ódio é vínculo que prende um ao outro, trazendo muitos infortúnios.

CARLOS, Antônio; CARVALHO, V. L. M. de. Reconciliação. São Paulo: Petit Editora, 1995, p. 31.

Não há simultaneidade entre prender e trazer; o ato de trazer é posterior; vejamos como ficaria a frase respeitada a sequência de ações no tempo:

Perdoando, desligamo-nos de quem nos ofendeu, ódio é vínculo que prende um ao outro e traz muitos infortúnios.

Uma última palavrinha.

Notem que costumo usar palavras como preferencialmente porque a língua não é uma ciência exata. Há contextos e contextos.