terça-feira, 13 de agosto de 2019

O ponto e vírgula e as adversativas – Parte II


Vejamos agora a verdadeira função do ponto e vírgula; para tal, considerem o período abaixo:

...conforme relato de parentes da vítima, o rapaz foi assassinado a tiros ontem a mãe estava tão abalada que mal conseguiu falar com os repórteres...

Do jeito que está redigida a frase, é impossível saber se o rapaz foi assassinado ontem ou se a mãe não conseguiu falar com os repórteres ontem; o problema é o advérbio de tempoontem” solto na frase sem nenhuma explicação; nesse caso, nem a vírgula resolve o problema; em qualquer posição que você puser a vírgula (antes ou depois do advérbio de tempo), a frase continuará confusa. Aqui, somente o ponto e vírgula pode resolver o impasse:

...conforme relato de parentes da vítima, o rapaz foi assassinado a tiros ontem; a mãe estava tão abalada que mal conseguiu falar com os repórteres... (portanto, se a notícia saiu no dia 10/01, o rapaz foi assassinado em 09/01).

ou

...conforme relato de parentes da vítima, o rapaz foi assassinado a tiros; ontem, a mãe estava tão abalada que mal conseguiu falar com os repórteres... (nesse caso, não sabemos quando o rapaz foi assassinado; sabemos apenas o dia que a mãe não conseguiu falar com os repórteres).

Paradoxalmente, o ponto mais difícil e subjetivo da língua tem como principal função tornar um texto preciso, exato, claro, sem dar margem a interpretações ou leituras confusas. Por esse motivo, seu uso é recomendado em frases que contenham as adversativas mais formais, uma vez que devemos usá-las em períodos longos e de estruturação mais complexa; notem que, em tais períodos, se não houver uma pontuação perfeita, o leitor não entende nada do que queremos passar para ele.

Para concluir, reparem que, na segunda possibilidade (a que traz o ponto e vírgula antes do advérbio), temos que o advérbio vem seguido de vírgula; como ele está deslocado de sua posição natural, que é no final da frase, poder-se-ia argumentar que a vírgula ali é obrigatória para marcar o deslocamento do advérbio; contudo, esse advérbio tem apenas duas sílabas e isso faz toda a diferença. Olha a “jurisprudênciaaqui outra vez! Mais uma vez, não encontraremos isso nas gramáticas que compramos nas livrarias (mesmo as boas e sérias); a presença da vírgula após um advérbio de até três sílabas para marcar seu deslocamento é opcional; por outro lado, a presença da vírgula, mesmo opcional, marca uma sutil diferença de interpretação:

...conforme relato de parentes da vítima, o rapaz foi assassinado a tiros; ontem a mãe estava tão abalada que mal conseguiu falar com os repórteres... (sem a vírgula: uso correto; interpretação: fato que ocorreu ontem sem que haja qualquer destaque)

...conforme relato de parentes da vítima, o rapaz foi assassinado a tiros; ontem, a mãe estava tão abalada que mal conseguiu falar com os repórteres... (com a vírgula: uso correto; interpretação: dar destaque ao advérbio de tempo: foi ontem – e não outro diaque ela não conseguiu falar com os repórteres).

Notem que o uso do ponto e vírgula não é recomendado apenas antes das adversativas formais; recomenda-se o uso desse ponto em qualquer situação de escrita formal em que tenhamos de elaborar períodos mais longos.

Na próxima semana, falarei ainda um pouco mais sobre o ponto e vírgula.

2 comentários:

  1. Obrigado professora! Terei mais atenção com este recurso maravilhoso.

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  2. Agradeço por seu comentário. Continue acompanhando o blog!

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