domingo, 26 de maio de 2019

Sobre a Bíblia I



A Bíblia Sagrada é um fenômeno editorial. É o livro mais lido do planeta. E também o mais controvertido. Sabemos que todo livro tem um autor material, alguém que concebeu as ideias, deu forma a elas e publicou-as; portanto, mesmo considerando o fenômeno da intertextualidade, isto é, das diferentes vozes presentes no texto, há que se ter em mente que a seleção de conteúdos, o léxico escolhido, a recorrência a diferentes autores, enfim, tudo o que há no texto resulta de uma participação ativa do autor material. Assim é com qualquer livro desde sua concepção, no plano das ideias, até a materialização final, que é a publicação.

Menos com a Bíblia Sagrada. Desde a concepção, suas páginas apresentam problemas – ou, se preferirmos, tratam de uma matéria que tem alimentado um sem número de discussões ao longo do tempo. Teórica e pretensamente, a Bíblia foi concebida para ser um código moral para as sociedades terrenas. Estranho código moral esse que condena os filhos de Deus às penas eternas do Inferno e enseja tantas interpretações diferentes em função de interesses não poucas vezes escusos.

A Bíblia vem satisfazer a uma necessidade milenar do homem: a de saber-se olhado, amado e cuidado, a de sentir-se protegido por alguém.  Afinal, do mesmo modo que cada ser humano, ao descansar a cabeça sobre o travesseiro, necessita ter a certeza de que há um presidente governando o país, cada pessoa também precisa ter a certeza de que há um Deus governando o mundo, necessita sentir, saber que Deus está no leme de tudo e que, se a justiça do homem é falha, ao menos a Sua é perfeita e se estende paternalmente a todos. Sim. Precisamos ter alguém a quem recorrer nos momentos de infortúnio, sobretudo naquelas horas em que nos sentimos injustiçados por alguém ou por uma determinada circunstância. Não. Isto não ficará assim, pois Deus está vendo. As coisas vão mudar.

Mesmo sabendo que não devemos pronunciar o nome de Deus em vão, nós o fazemos com uma frequência inacreditável que vai desde interjeições até substantivos; assim é que o café da manhã em casa é um deus nos acuda; se o ônibus quebrou, valha-me, Deus! O filho anda com más companhias? Deus me livre! O menino comeu bem? Benza Deus! Nossa... ele fez isso com você? Deus tá vendo... O quê? Você bateu no seu irmão? Olhe que Deus castiga... O marido é chato? Ó Deus! Dai-me paciência... O menino já chegou? Louvado seja Deus!

A vida sem Deus é um vazio existencial. É a falta de chão.  A carência da humanidade existe no inconsciente coletivo das massas, sejam ignorantes ou não. A Deus cabe a justiça que esperamos. A Deus cabe a separação do joio e do trigo. A Deus cabe a escolha dos eleitos que irão repousar eternamente no paraíso. A Deus também cabe a escolha dos que devem sofrer as penas eternas do Inferno. A Deus, enfim, cabe o direito sobre a vida e a morte. Nada somos sem Deus. Natural, então, que acreditemos em Sua justiça.


Continua...
 


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