sábado, 11 de maio de 2019

Viagem a Maceió para o Congresso da Abralin 50


A primeira impressão da cidade não poderia ter sido pior. Havia um favelão logo na entrada, ao lado da rodoviária. Não era uma favela como tantas outras. Ou era? As casas, muitas de tábuas coloridas, teimavam em ficar de pé, como se pudessem enfrentar o vento. As de tijolos eram nuas, sem pintura, sem nada. A vida? Esta sim fervilhava ao lado de enormes bolsões de lixo a céu aberto. Pessoas disputavam espaço com pombas, urubus e animais doentes. Ali uma criança andava descalça no lixão, lá uma mulher buscava algo, acolá um animal com parte das costas sem pelo se coçava. Vidas sem rumo, sem futuro. Alguém me disse que o lugar se chama Jacintinho; outro, que se chama Peixoto; a favela, segundo um terceiro, se chama Vale do Reginaldo. Pobre Reginaldo. Escolheram um nome de pessoa para um lugar de tantas dores, onde o poder público não chega. Não, diz outro, chega sim; essas pessoas recebem casas populares para morar com um mínimo de decência, mas “preferem” vender, alugar e voltam para cá. Se isso for verdade, não posso compreender. Basta olhar ao redor. Que tipo de pessoa escolheria viver em condições subumanas podendo estar em um espaço mais digno, sem aquele rio lodoso no meio do caminho? Há algo muito errado no Reino da Dinamarca. Quanto ao governador reeleito (!!??)... Bem... Não me parece que esteja interessado em outra coisa que não seja a orla. Mas não percamos tempo com políticos. É claro que lixões existem em vários estados do Brasil e talvez existam até no meu Rio de Janeiro; o problema é que eles aparecem nas revistas e na televisão quando convém aos interesses de alguém, diga-se; uma coisa é isso, outra coisa muito diferente é ver aquilo ao vivo e a cores. Recuso-me a chamar favela de comunidade. Não sou adepta ao tal do politicamente correto porque julgo aquilo como uma coleção de eufemismos baratos. Não há uma comunidade ali. Trata-se de um depósito de pessoas na forma mais cruel de reificação. Pessoas vivem ali, animais vivem ali. Por que ninguém faz nada por eles? Conheci o oposto na Abralin, cujo congresso se deu em um espaço de luxo, no hotel Ritz em Lagoa da Anta, bairro nobre. Confesso que entrei em curto ao comparar. Não bastasse a rodoviária pequena e suja, vi tanta coisa nessa viagem... Fui obrigada a ir e voltar pela viação Progresso — aqui em Petrolina é a única autorizada a viajar para Maceió, Recife e sabe-se Deus mais quantos lugares. Trata-se de uma empresa moralmente decadente, que despreza os próprios clientes; também pudera, não tem concorrência! Então fui obrigada a viajar em um ônibus sujo, malcheiroso, sem leito, sem conforto algum, sem tomada, com muitos mosquitos e até baratas! Viagem desagradável, desconfortável, mas não sem antes enfrentar uma fila imensa e lerda no único guichê localizado naquele pesadelo que chamam de rodoviária aqui em Petrolina. As muitas paradas se davam em lugares e “restaurantes” cuja higiene deixa muito a desejar; não descreverei alguns banheiros que vi para não enojar o leitor. As pequenas cidades do caminho? Também esquecidas pelo poder público, com suas ruas de terra, sujeira e casas mal construídas, além de velhas e feias. Sabe-se Deus quantas necessidades não passam as pessoas que moram nessas furnas. Ao menos não vi lixões. Independentemente do lugar em que moram, as pessoas merecem respeito e dignidade. Que importa cor, condição social e tudo o mais que marca por estereótipos perversos os mais diferentes tipos de pessoas? Que importa tudo isso, se tudo vai passar um dia, se o caráter jamais se medirá por cor, condição social e qualquer outra bobagem que alguns inventaram para separar as pessoas em guetos como se alguns seres humanos valessem mais do que outros? Vãs ilusões de corações amargos, que se julgam superiores porque são de tal cor, nasceram em tal lugar, são Prime, Personnalité etc. 

O fato é que voltei para minha amada Petrolina e quase chorei de alegria ao subir no ônibus. 

Só espero que o próximo Congresso não seja naquela cidade, que pode ter lugares maravilhosos como dizem por aí e as fotos mostram, mas não tive ânimo nem tempo nem vontade de conhecê-los. Aquele cartão de visitas, como dizem os meus alunos, “lacrou”. 

Ah, e da próxima vez, nem que seja para a Patagônia, vou de avião.

7 comentários:

  1. Querida professora,
    Sua inquietação com o morro me inquietou. A realidade do mundo às margens é verdadeiramente grotesca. Mas já pensou na possibilidade de que essas casas populares sejam localizadas a quilômetros e quilômetros dos centros urbanos onde essas pessoas empilhadas em tábuas conseguem seu sustento? Onde teriam que gastar metade (ou mais) do dinheiro que recebem custeando o transporte desses complexos habitacionais até o trabalho? É compreensível do conforto da nossa casa em boa localização não vermos sentido em trocar uma casa por uma estrutura vacilante, mas isso é do ponto de vista externo ao quarto de despejo. Lá dentro o que vale a pena e as prioridades são muito diferente.

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  2. Oi, Bia! De fato, não havia pensado nesse ponto, mas sei que você tem razão. Quer dizer que as pessoas ganham as casas sem qualquer infraestrutura que lhes permita viver ali. Seria mais ou menos como se fossem novos guetos. São diferentes formas de tirar a dignidade das pessoas que vivem nesses espaços.

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  3. Profa. Claudia, parabéns pelo lindo texto! Uma crônica sensata e comovente sobre a vida miserável de pessoas que habitam um mundo desumano e "vivem" em condições subhumanas. Fico feliz e honrado por ter sido seu aluno na UPE, no primeiro semestre do ano passado (quarto período de Letras), em que tive a oportunidade e o gosto de ver de perto e usufruir do seu brillhante e pasmoso conhecimento, de sua sapiciência e sabedoria. Que Deus continue iluminando esse cérebro luminoso, dê-lhe muitos anos de vida, com SAÚDE, a fim de que possamos continuar crescendo com seus ensinamentos. Obrigado, Mestra querida! Carlos Alberto Martins Juazeiro/BA - Recife.

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  4. Retifo:sapiência... (Desculpe, profa.)

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  5. Retificando outro equívoco: onde se lê subhumanas, leia-se sub-humanas.

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  6. Oi, Carlos Alberto! Obrigada por suas palavras tão gentis! Apareça quando puder, adoraria te dar um abraço! Vou ver se separo um tempo para escrever mais aqui no blog, sinto falta! Aproveite para se cadastrar aqui, me dará grande alegria, querido. Até breve, espero!

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  7. Professora, infelizmente ainda não conseguí me cadastrar, sou péssimo usuariário de Internet, mas vou pedir ajuda para me casdastrar, pois não posso perder a honra imensa de ser inscrito e acompanhar o seu blog; a alegria de ler as suas crônicas encantadoras e que encerram tanta beleza e ensinamento. Quando eu for a Juazeiro, minha terra natal, vou à UPE lhe dar um abraço! Carlos Alberto Martins - Recife, 03.09.2019.

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