A história a seguir foi integralmente
extraída do livro E para o resto da vida..., de Wallace Leal V. Rodrigues:
A
panela (p. 60-61)
A
velha empregada de minha família era uma preta.
Chico,
o neto dela – como é costume acontecer quando não temos irmãos –, era o meu
companheiro constante de brincadeiras e folguedos.
Em
tudo quanto fazíamos, a parte de Chico era sempre a mais pesada, secundária e
passiva.
Ele
tinha que dar e, nunca, que receber.
Um
dia corri para casa, à saída da escola porque Chico e eu tínhamos projetado
construir uma vala que fosse do poço à lavanderia.
Sem
darmos por isso, cada um de nós assumiu logo o seu papel – como de costume.
Chico
era o “condenado” a trabalhos forçados, suando e repetindo esforços. E eu o
implacável guarda, com uma vara na mão!
A
maneira como eu estava maltratando aquele menino negro era quase digna de um
adulto imbuído de preconceitos de cor.
Foi
quando a nossa preta velha chamou-nos:
–
Crianças, venham pôr a minha panela no fogão!
Corremos
para a cozinha. A panela estava no chão e nós a agarramos com ambas as mãos.
Mas com um grito a largamos, perplexos de que ela nos tivesse mandado pegar em
uma coisa que – era evidente que sabia – estava extremamente quente.
Em
seguida, em graves e brandas palavras, tão nítidas e simples que até hoje as
posso escutar, partindo do fundo do tempo, disse-nos assim:
–
Ora! Vocês dois se queimaram. Que coisa mais engraçada! A cor da pele de vocês
é tão diferente, mas a dor que estão sentindo é igual para ambos, não é
verdade?
Concordamos
que sim.
E
nunca mais pude me esquecer desse episódio que, sem dúvida alguma, fez de mim
uma pessoa diferente.
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